AMÉRICO RODRIGUES
Máquina de escrever, voz, instrumentos
Américo Jorge Monteiro Rodrigues nasceu em 1961 na Guarda (Portugal), onde frequentou o ensino básico e secundário.
Interessado pela expressão teatral, aos 18 anos (1979) estagiou em Paris (França) com a dramaturga, encenadora e atriz Catherine Dasté e é a partir de então que se evidencia o seu trabalho experimental de voz. Nos anos seguintes exerceu funções de animador e programador cultural na Casa de Cultura da Juventude da Guarda/FAOJ (1979-1989) e na Câmara Municipal da Guarda (1989-2005). Em 1997 estreia-se em disco, com a edição de autor de "Lâminas, Ossos e Lixo" seguindo-se, em 2000, o CD "O Despertar do Funâmbulo", editado pela audEo em parceria com o Aquilo Teatro, coletivo de que foi um dos fundadores. Com capa de Maria Lino e Sérgio Gamelas, em 2005 esse CD é incluído na exposição "Vinyl - records and covers by artists", com discos da coleção do editor Guy Schraenen, fundador da Galerie Kontakt, em Antuérpia (Bélgica). A exposição teve uma itinerância que passou pelo Neuen Museum Weserburg Bremen (Alemanha), pelo MACBA Museu d'Art Contemporani de Barcelona (Espanha) e pelo Museu de Arte Contemporânea de Serralves (Porto), para além de ter edição num vasto catálogo, onde também é apresentado. Américo Rodrigues foi também diretor do Teatro Municipal da Guarda (2005-2013) e coordenador da Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço (2015-2018). Participou na fundação da Associação Luzlinar e do Teatro do CalaFrio. Coordenou ainda os cadernos de poesia Aquilo (1982-1997) e foi codiretor da revista Boca de Incêndio (2004-2006), para além de outras publicações. Encenou diversas obras teatrais e apresentou-se como ator em várias salas e países como, por exemplo, em 2001, no espetáculo "Compact Disconcert", produzido pelo Teatro Nacional São João (Porto), ou em "Desencantos do Diabo", no Centro Experimental de Pesquisa Teatral de Natal (Brasil). Colunista de vários jornais, recebeu o Prémio Gazeta de Jornalismo Regional e o Prémio Nacional de Jornalismo Regional. Foi bolseiro (jovens criadores) do Centro Nacional de Cultura. Poeta sonoro, performer, ator, encenador, dramaturgo, ensaísta, colunista, programador e animador cultural, desenvolveu ao longo de todos estes anos um intenso trabalho de experimentação com a voz, em espetáculos e gravações, dirigindo vários festivais de música, teatro, performance, formas animadas, etc. Licenciado (2003) em Língua e Cultura Portuguesas, pela Universidade da Beira Interior, obtém o mestrado (2007) em Ciências da Fala, na Universidade de Aveiro, com uma tese sobre "As Emoções na Fala". Em 2011 foi homenageado pelo Ministério da Cultura, que lhe atribuiu a Medalha de Mérito Cultural, pelo seu contributo para o desenvolvimento cultural da região da Guarda. Nessa cidade, foi também coordenador geral da Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço, de 2015 a 2018. É Diretor-Geral das Artes, desde 2019. É também representante de Portugal no Ibercena, um fundo de ajuda para as artes cénicas ibero-americanas, e do Ibermúsicas, dedicado exclusivamente ao setor musical. |
Bibliografia e discografia
1982
1986
1989
1995
1996
1997
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2008
2009
2011
2012
2013
2014
2015
2016
2017
2018
2021
2022
2024
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Depoimentos
Para refletirmos sobre o trabalho de Américo Rodrigues, escolhemos três momentos algo espaçados no tempo, mas nunca na forma, nem na sua constante intervenção sobre os sons, as palavras e as suas múltiplas formas e significados.
Se, impresso em livro, o autor começou na década de oitenta, tendo pouco mais do que vinte anos, ainda mais, e muitos laboriosos registos, teríamos pela frente ao longo dos anos e das décadas seguintes, fossem eles impressos em papel, gravados em disco, representados em palcos ou apresentados ao vivo. Diríamos mesmo que Américo Rodrigues vive para isso e sobre essa pulsão juntámos alguns testemunhos, sendo este primeiro de Manuel Portela, professor do Grupo de Estudos Anglo-Americanos da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra e, também, tradutor e autor de livros de poesia sonora e visual, que assim escreveu: Ao longo das décadas de 1990 e 2000, Américo Rodrigues desenvolveu um intenso trabalho de experimentação com a voz em espectáculos ao vivo e em gravações. Situada entre a poesia sonora e a música, a sua obra sónica e vocal constitui um exemplo singular de apropriação e renovação do poema sonoro e de potenciação das suas possibilidades poéticas e musicais. As vocalizações de Américo Rodrigues fazem um uso virtuosístico do aparelho fonador, por vezes com auxílio de fontes acústicas externas e com manipulação sonora dos registos gravados. Os cliques da língua nos dentes, os ruídos da inspiração, os barulhos da saliva, os ruídos dos lábios, a nasalização dos sons, as obstruções respiratórias, o gemido, o grito, o choro, o riso e o canto dos harmónicos são elementos dessa linguagem do corpo aquém e além da articulação da palavra. A expressividade musical e poética das suas composições fonéticas resulta de uma combinatória entre pré-verbal, verbal e pós-verbal. Depois, recordamos outro despertar a que não fomos alheios, com a coedição do CD de poesia sonora "O Despertar do Funâmbulo" (2000), sobre o qual o professor José Alberto Ferreira, docente do Departamento de Artes Cénicas da Universidade de Évora e diretor do Festival Escrita na Paisagem (2004-2012), reportou desta forma:
Creio ser este o momento ideal para sublinhar o ganho expressivo que decorre das específicas circunstâncias de produção a que a poética sonora de Américo Rodrigues se submete, isto é, as que resultam da contaminada relação com as linguagens do palco e as da música, contaminação nunca enjeitada pelo autor. É, com efeito, nesta dinâmica de contiguidades que as razões da música, ou, afinal, da (outra) musa, se nos impõem de forma clara. É no diálogo permanente de Américo Rodrigues com as mais diversas estirpes de músicos — trabalhou com mais de uma vintena de nomes grados da cena internacional, vindos de campos tão diversos como o jazz, a música improvisada e a erudita contemporânea, como o naipe que neste cd apresenta claramente demonstra — que se encontra um dos seus mais produtivos territórios de investigação e pesquisa, de (re)invenção do poético e de abertura de fronteiras, imparável alargamento do que podia, por analogia, chamar-se a sua família extensa, de capital importância para o entendimento das suas propostas performativas. Mais tarde, Nuno Miguel Neves, doutorado em Materialidades da Literatura e também licenciado em Antropologia, nas áreas social e cultural, pela Universidade de Coimbra, disse sobre o CD "Parlatório" (2018):
A Poesia Sonora, ou pelo menos as suas tendências mais contemporâneas, testam sempre o limite da prática poética pelo afastamento permanente e inequívoco da linguagem. Américo Rodrigues opta, naquela que me parece ser uma das mais originais aproximações à Poesia Sonora dos últimos anos, pelo contrário. Força-nos à narrativa, ainda que, como o próprio indica, ela seja “fragmentada” e procure “estilhaçar a coerência dos relatos”, o que cria, a partir da tensão entre o que se diz e o que é do domínio do indizível, uma tensão recorrente, e perfeitamente audível, entre um espaço psicológico, autónomo, isolado do ruído da máquina, um isolamento que nunca se cumpre na totalidade, e o meio de que não se pode fugir, uma tensão que se estabelece também quer pela crueza dos relatos e pelo que eles dizem sobre os silêncios “Cosi a boca. Com uma linha e com uma agulha cosi a boca”, ouve-se aos 34 minutos, quer por esse equilíbrio violento que se vai estabelecendo entre os diferentes recursos sonoros (que de forma pragmática dividiria em 3 categorias: vozes e histórias, vozes sem histórias, maquinaria). Não sei se será possível fazer sentido destas 7 histórias, isto é, perceber a que diferentes fontes elas pertencem, em boa verdade não sei se isso interessa de todo. São estas 7 como poderiam ser outras tantas que nunca ouvimos, que nunca iremos ouvir, que não queremos, muitas das vezes, ouvir. Por fim, as vozes desaparecem, esgotam-se e nesse esgotamento dilui-se toda e qualquer possibilidade narrativa, o Parlatório converte-se num jogo vocal, fonatório, de impossibilidade semântica. A Poesia Sonora atinge o seu apogeu. Uma poética do estilhaço e do fragmento, portanto, da recomposição sonora, trabalho de ourives dedicado e dobrado sobre a mesa que se ocupa no recorte e montagem da filigrana vocal, o trabalho efetuado sobre estas histórias permite-nos afinal observar a máquina da Poesia Sonora em pleno funcionamento: a produção do estilhaço, do recorte, da atomização, da desmontagem, uma poética afinal do que não se diz ou não se consegue dizer e do que só se consegue dizer de outras formas, o colocar em evidência dos mecanismos de disrupção poética. Sobre a corda instável da bem-aventurança, Américo Rodrigues, tal como um funâmbulo, continua firme na sua longa caminhada artística nas alturas.
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