CARLOS "ZÍNGARO"
Violino, eletrónica
Carlos Alberto Corujo de Magalhães Alves, também conhecido como Carlos "Zíngaro", nasceu em 1948, em Lisboa, Portugal.
Estudou música clássica entre 1952 e 1965, na Fundação Musical, no Conservatório Nacional (hoje Escola Superior de Música de Lisboa) e Academia dos Amadores de Música. No biénio 1967-68 estudou órgão de igreja com Antoine Sibertin-Blanc, na Escola Superior de Música Sacra. Ainda na década de 1960 integrou a Orquestra de Câmara da Universidade de Lisboa e, em 1967, formou o Plexus, grupo português que nessa altura era ainda único numa nova abordagem musical baseada na música contemporânea, na improvisação e no rock. O grupo gravou em 1968 um EP de 7" para a editora RCA Victor. A partir de 1975, Carlos "Zíngaro" tocou com uma grande diversidade de músicos da área da improvisação, de entre eles Barre Phillips, Daunik Lazro, Derek Bailey, Joëlle Léandre, Jon Rose, Kent Carter, Ned Rothenberg, Peter Kowald, Roger Turner, Rüdiger Carl, Dominique Regef, Evan Parker, Günter Müller, Andres Bosshard, Jean-Marc Montera e Paul Lovens. Em 1978 foi convidado pela Wroclaw Technical University, da Polónia, para participar do 1st Instrumental Theatre Meeting. Em 1979 foi-lhe atribuído o Fulbright Grant e foi convidado pela Creative Music Foundation, de Woodstock, Nova York, Estados Unidos da América, para participar em encontros, seminários e outras apresentações com compositores como Anthony Braxton, Roscoe Mitchell, George Lewis, Leo Smith, Tom Cora e com o colaborador regular Richard Teitelbaum. Carlos "Zíngaro" também proferiu palestras sobre novos conceitos de notação, movimento e som, e sobre a interrelação entre improvisação e atitude corporal. Como solista, ou com outros músicos e compositores, Carlos "Zíngaro" apresentou-se ao vivo nos mais importantes festivais de música nova e improvisada, na Europa, na Ásia e na América. Grande parte da atividade musical de Carlos "Zíngaro" está associada ao teatro, ao cinema e à dança. Em 1975 concluiu em Lisboa os estudos em cenografia, na Escola Superior de Teatro, integrando mais tarde a direção académica dessa instituição de ensino. De 1974 a 1980 foi diretor musical do grupo de teatro Os Cómicos, de Lisboa, sendo responsável pela maior parte das partituras originais apresentadas ao longo desse período. Em 1981, Carlos "Zíngaro" recebeu o Prémio da Crítica para a Melhor Música de Teatro e, em 1988, trabalhou com o encenador italiano Giorgio Barberio Corsetti na sua trilogia sobre Kafka. Também foi cenógrafo e figurinista de várias outras criações teatrais. Produziu bandas sonoras para vários filmes e trabalhou extensivamente com bailarinos e companhias de dança, como o Ballet Gulbenkian, a Opéra de Genève Dance Company, Vera Mantero, Ludger Lamers, os Aparte e Olga Roriz. Carlos "Zíngaro" também foi sócio-fundador da galeria de arte Os Cómicos, com sede em Lisboa. Tem o seu trabalho exposto e recebeu vários prémios pelos cartoons, bandas desenhadas e ilustrações que criou, algumas das quais podem ser vistas também em capas de algumas das obras já apresentadas, nomeadamente em "Dos Benefícios dum Vendido no Reino dos Bonifácios" e "40 Anos de Som" (ambos da Banda do Casaco, 1974 e 2013), "The Sea Between" e "Cyberband" (ambos com Richard Teitelbaum, 1988 e 1994), "Musiques de Scène" (solo, 1993), "The Legendary Story Of A Slug And A Beetle" (João Pedro Viegas & Paulo Chagas, 2015), "Lonberg-Holm Rosso Zingaro" (com Fredrick Lonberg-Holm e Alvaro Rosso, 2020) e "L'Aile d'Icare" (com Jean-Marc Foussat e Urs Leimgruber, 2022). |
Discografia
1969
2011
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Entrevista
Em 2016, a jornalista e escritora Susana Moreira Marques entrevistou Carlos "Zíngaro" e das respostas do músico retirámos algumas frases, que, com a autorização de ambos, reproduzimos a seguir: Se vou ouvir os discos que fiz há alguns anos, começo a encontrar defeitos, erros, e apetece-me fazer outra vez. Então, não ouço. Mas depois acontecem situações caricatas. Uma vez estava com uns amigos num bar e a certa altura comecei a ouvir um jazz com violino e pensei: conheço isto vagamente. Virei-me para uns amigos e perguntei quem era: gáudio total, porque era eu. O meu pai era funcionário público por necessidade, mas era pintor, desenhador e fotógrafo. Desde que me conheço que desenho, porque comecei logo a imitar o meu pai. O meu pai também tinha sido músico: frustrado. Um amigo dele, que era crítico do Diário de Notícias, reparou em mim aos quatro anos e disse-lhe: o miúdo tem ouvido, acho que o devias pôr a estudar música. A única instituição, na época, que aceitava miúdos daquela idade - e ainda existe - era a Fundação Musical dos Amigos das Crianças. Quando cheguei lá, a directora perguntou: "O que é que o menino gostaria de tocar?" E eu: "tambor e corneta". Pois claro, com quatro anos. Então, meteram-me um violino nas mãos. Durante muitos, muitos anos tive uma relação de amor e ódio com o violino: a malfadada rabeca. É um instrumento que não é ergonómico. O piano é simétrico. Até o violoncelo, que fica à frente do corpo. O violino coloca-se assim para o lado. Mas o problema também era o ensino que se ministrava em Portugal na época. Portanto, a guerra de amor e ódio com o violino era também a guerra de amor e ódio com a música clássica. Era a esclerose. Só se podia ouvir e praticar determinada música. O Bartók era considerado inaudível na altura, para não falar de coisas mais contemporâneas: nem pensar no Xenákis ou no Stockhausen. Em casa, não tínhamos gira-discos e a música ouvia-se no rádio. Comecei a tocar em frente ao rádio, a improvisar com o nacional cançonetismo. O rádio captava um pouco das rádios berberes do Norte de África e eu adorava aquelas melopeias norte-africanas. E, um dia, descobri a música húngara, magiar. É daí que vem a alcunha "Zíngaro". Eu passava o tempo em casa a não estudar os estudos clássicos e a aprender a tocar improvisando com o que ouvia no rádio e, quando chegava para interpretar a peça que tinha sido mandada pelo professor, inevitavelmente, em vez de tocar como devia - "ti-pá" - tocava um "piii-á", com um jeito de música cigana. Aos 16, 17 anos abandonei a música clássica e comecei a tocar rock, pop, blues. Constituí um grupo: o Plexus. Depois, há o corte da tropa, de cumprir o dever de salvaguardar os interesses da nação. Estive em Angola, e quando regressei, em 73, volto a reavivar o Plexus, mas aí, com um lado de revolta acesa pelo que eu tinha passado, pelo que eu tinha visto, pelo que eu tinha sentido. Aí, é o jazz, o free jazz: é o grito, o grito de revolta, mas quase impotente porque em 73 ainda era o regime. Passei tempo em Nova Iorque, em 79, numa residência e com uma bolsa Fulbright. O ambiente era fascinante, realmente excitante. Senti-me tentado a ficar, mas voltei. Não gostava muito - e não gosto - da competição. Na América, de uma maneira geral, e em Nova Iorque, em particular, era uma competição desenfreada. Com amigos e colegas de profissão, as conversas andavam à volta de: How can you make it? Are you really making it? De qualquer forma, é um facto que, anos mais tarde, muitas vezes me perguntei: e se eu tivesse ficado, o que é que teria acontecido? Faço concertos há décadas. Estou habituado e aprecio ir para a frente do público tocar, mas há sempre aquele stress da situação pública, nunca deixa de haver. Ando sempre com um "sketchbook" no bolso. Enquanto espero nos aeroportos, nos hotéis, nos ensaios, estou sempre a desenhar. Acalma-me. Enquanto desenho ou pinto, ninguém olha por cima do meu ombro ou à minha frente. A música tem sido o lado público. Isto, é o lado íntimo. A entrevista completa foi publicada aqui.
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