JORGE VALENTE
Sintetizador, computador
Jorge Ferreira Valente nasceu em Lisboa, Portugal, no ano de 1948 e faleceu em 2024.
Instrumentista e compositor de música eletrónica, estudou no Conservatório Nacional, na Academia de Amadores de Música e no Centro de Estudos Gregorianos. Com o professor Júlio Campos fez estudos de percussão. Estudou piano com Carla Seixas e Olga Prats. Também fez estudos em harmonia, composição e análise de música tradicional portuguesa e angolana, com o professor Artur Santos. No Centro de Arte e Comunicação Visual Ar.Co frequentou um curso de cinema, com Luís Galvão Teles e José Fonseca e Costa. Em 1967/68 cria com Carlos Zíngaro o grupo Plexus, onde se juntava ao rock psicadélico de então o arrojo do free jazz e da música contemporânea. Em 1973 integra também o grupo Trinta Cordas Band. Por volta de 1985 cria com Rui Luís Pereira (Dudas), por encomenda da Câmara Municipal da Chamusca, a Escola de Música da Associação Cultural para a Acção Permanente (ACEP), que consistiu numa experiência pioneira no ensino da música, baseada no conhecimento multicultural de origens ocidentais, africanas e orientais. Fundou e dirigiu a editora discográfica Kolá Records, vocacionada para a música dos países africanos de língua oficial portuguesa, tendo gravado grupos de música tradicional de Cabo Verde, Guiné-Bissau e Moçambique. Em 1988 e 1990 também trabalhou com a PolyGram, como sound designer e produtor musical, assinando como coprodutor o primeiro álbum a solo de Anabela Duarte (dos Mler Ife Dada), "Lishbunah", editado em 1988. No início da década seguinte, de 1990 a 1993, foi cronista de jazz no jornal Público, na revista cultural italiana Euros e na portuguesa MIT, publicação dedicada à música, instrumentos e tecnologia. Em 1993 participa na fundação do grupo de música eletroacústica Fromage Digital, com Ernesto Rodrigues e José Oliveira e, em 1996, na criação do Trioto Flêumico, com Ulrich Mitzlaff, Eduardo Cunha e Patrick Brennan. Também compôs alguma música para teatro, com a companhia luso-belga Axe Sud, e para trabalhos multimédia, bem como colaborações musicais nas áreas da performance e da instalação de arte. Ao longo dos anos lecionou em escolas e em seminários avulso, desenvolvendo um labor constante na pedagogia da música eletrónica, como nos cursos extensivos de "Tecnologias Digitais Aplicadas à Música", de "Estratégias para a Compreensão e Desenvolvimento de Estéticas na Música Electrónica" e de "Música Improvisada - Princípios e Expectativas". Com Ernesto Rodrigues cria o duo de música improvisada eletroacústica Orquestra Vermelha, que depois abandonaria o nome coletivo em favor da individualização e dessa forma assinariam o álbum "Self Eater And Drinker", editado pela audEo em 1999. Numa outra parceria, com Carlos Santos, lançava em 2015 o seu novo álbum "Metallum". |
Discografia
1969
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Depoimentos
Recolhemos as memórias de dois músicos, sobre o seu trabalho com Jorge Valente. Do tempo entre o final dos anos 60 e meados dos anos 80, contou-nos o violinista, compositor, improvisador e artista plástico Carlos "Zíngaro": Conheci o Jorge Valente nos bancos do Colégio Camões na avenida Almirante Reis, em Lisboa, algures entre 1967 e 1968. Nas minhas obsessões em fazer um grupo à minha maneira, massacrei-o com ideias e projectos, ao ponto de o convencer a adquiri umas percussões e um vibrafone, em saldo no Salão Lisboa, próximo do dito colégio. Nascia assim o PLEXUS, de forma algo conceptual, mas já com as pulsões “jafreebluraphonic” (jazz + free + blues + raga + sinfónico), que norteariam esta fase, com inclusão do Luis Pedro da Fonseca, do Celso de Carvalho e do José Teixeira Lopes. Esta formação gravaria o EP “Paraíso Amanhã” para a RCA Victor, em 1969, no estúdio do Quarteto 1111. As guerras coloniais afastaram-nos, mas, depois do meu regresso em 1973 e da minha reformulação do PLEXUS enquanto grupo “free jazz”, chamei o Jorge Valente para colaborar, o que só aconteceria já no início dos anos 1980, com a derradeira formação do grupo, que teria também existência curta, já enquanto “improv-electroacústico”, com Carlos “Bechegas”, David Gausden e Jorge Lampreia. Ainda o convidei a participar na banda sonora da peça “Por Cima o Silêncio”, que tinha concebido para integrar os eventos do “Depois do Modernismo”, na Galeria Cómicos, entre 1983/84, mas algo impediu essa colaboração. Por sua vez, o designer gráfico, músico e criador audiovisual Carlos Santos fala-nos da experiência de trabalho com Jorge Valente, num período mais recente, que vem dos anos 90 e que resultou no seguinte relato:
Conheci o Jorge Valente em 1994 ou 95, através do José Oliveira ou do Ernesto Rodrigues, não consigo recordar com exactidão, uma vez que o Jorge tinha projetos com ambos e explorava a electrónica assistida pelo software Max no contexto da improvisação, sendo eu também utilizador do software num contexto semelhante, talvez com metodologias diferentes. Iniciámos diálogos e discussões em torno de estéticas musicais e da arte em termos gerais, com alguma experimentação e programação no software, o Jorge vivia na altura perto da minha casa, o que facilitava o diálogo, para além disso tocámos algumas vezes em grupos mais alargados, na altura ainda mantinha o meu projeto com o Paulo Raposo, os Vitriol, e criámos um ensemble de cariz electrónico (grupo de "laptops") chamado [des]integração (2001-2003), onde o Jorge tocou algumas vezes (ZDB, etc). Na continuidade desses anos de actividade e cruzamento de experiências, o João Castro Pinto (músico electrónico) convidou-nos a ambos (eu e o Jorge) para apresentar uma peça no festival que organizava chamado "Herztcópio", na Fábrica da Pólvora de Barcarena (2003). Assim nasce o "Metallum", trata-se de uma exploração de texturas e materiais onde o "metal" é o foco do projeto. A metodologia acordada entre nós para a peça, assentava na recolha de material áudio proveniente da manipulação de gongos, címbalos e outros metais percutidos, (gentilmente cedidos pelo José Oliveira) como base da peça, seguindo-se manipulação digital em tempo real dos "samples" com o software MaxMSP a correr em computadores portáteis. Fizemos 2 recolhas com os diferentes materiais, quer eu, quer o Jorge, utilizamos baquetas, arcos e uma infinitude de objectos para produzir texturas que serviriam de base (após edição) para alimentar os respectivos "patches" (nome dado ao programa construido por cada um no software MaxMSP). Ensaiamos durante 2 semanas e construimos a estrutura da peça que apresentámos ao vivo. O concerto correu muito bem, no entanto, a gravação do mesmo ficou muito baixa em termos de amplitude, portanto ficou na "gaveta" durante 10 anos, até, em 2013, o Jorge voltar a falar nela. O material gravado era realmente bastante bom, por essa razão decidimos mexer nela novamente, introduzir mais alguns elementos e equilibrar o volume e imagem stereo, e assim em 2015, editámos o CD. Ao longo destes anos mantivemos o contacto se não musical, pelo menos de tertúlia estética e experimentação. |