DIS NASTI DOG
Instrumentos, vozes, performance
Nascido em Mesão Frio (Portugal), em 1961, Vítor Manuel Ferreira Rua emergiu como um dos artistas mais originais e prolíficos da cena musical experimental.
A jornada musical de Vítor Rua começou na cidade do Porto quando, nas décadas de 1970 e 1980, se envolveu em movimentos contraculturais e colaborou com diversos grupos musicais, sendo mais conhecida a sua participação no Grupo Novo Rock (GNR), entre a sua fundação e o primeiro álbum, "Independança", de 1982. Contudo, a sua busca por maior expressão transcendeu as limitações de género pop-rock alternativo ou da então chamada Música Moderna Portuguesa, levando-o a que se aventurasse por uma miríade de estilos que passaram pela música eletrónica e pela improvisação livre, criando em Lisboa, nesse mesmo ano, com o músico e musicólogo Jorge Lima Barreto, o duo Telectu, que se afirmaria plenamente em áreas musicais de experimentação e vanguarda, dentro e fora das fronteiras nacionais, tendo atuado, por exemplo, em França, nos Estados Unidos da América, na União Soviética e na República Popular da China. Vítor Rua também se dedicou à investigação científica da acústica e dos fenómenos sonoros. A sua tese "Acusticologia: Pensamentos Filosóficos-Analíticos sobre Som e Música" (2011) confirma, em particular, o profundo interesse do músico pela ciência do som, estudando a complexidade das ondas sonoras, a sua física, psicologia e impacto na perceção humana. Desafiando os limites do entendimento académico, a sua investigação abriu novos caminhos para uma compreensão mais profunda do som e das suas aplicações. Ainda, ao unir a criatividade ao conhecimento, Vítor Rua desenvolveu uma tapeçaria sonora única, que hoje inspira outros músicos, investigadores e teóricos na exploração do desconhecido na arte dos sons. João Galante nasceu em Luanda (Angola), em 1968. Fez o ensino secundário em Lisboa, frequentando a Escola Artística António Arroio, para estudar banda desenhada. Depois matriculou-se nos cursos de artes plásticas e de fotografia do Ar.Co - Centro de Arte & Comunicação Visual, antes de perceber o seu interesse pelo teatro.
Foi no IFICT - Instituto de Formação, Investigação e Criação Teatral, que ficava mesmo ao lado, que fez um curso de iluminação e, depois, outro de formação de atores. Seria, claramente, nesse mundo das artes que haveria de fazer o seu palco: sem abandonar as artes plásticas, João Galante prosperou na arte teatral, com participações nos espetáculos do coletivo Canibalismo Cósmico e, depois, do Olho. Daí à dança, foi só mais um passo: na associação cultural Fórum Dança começou a trabalhar profissionalmente como performer, conhecendo ou colaborando com Madalena Victorino, Rui Nunes, Vera Mantero e Francisco Camacho, coreógrafos que o ajudaram a repensar o corpo e a orientar o seu próprio trabalho, que seria então apresentado ao público. Desde 1994 trabalhou preferencialmente em duo, apresentando novos trabalhos com regularidade, como a peça "REC - Reply, Erase, Copy", apresentada no Oval Theater, em Manchester (Reino Unido), em 1999, numa parceria com Jessica Levy. Nesse ano, em parceria com Carlota Lagido e Vítor Rua, apresentou o concerto encenado "Dis Nasti Dog", que também foi registado em estúdio pelo músico dos Telectu e depois editado em CD pela audEo. Atualmente residindo e trabalhando entre Lisboa e Lagos, João Galante tem desenvolvido uma sistemática parceria com Ana Borralho, tendo fundado a Associação Cultural casaBranca, o Festival Transdisciplinar de Artes Contemporâneas "Verão Azul" e a banda de não músicos Jimmie Durham, inspirada no escultor, ensaísta e poeta norte-americano. Carlota Lagido, bailarina, coreógrafa e figurinista, nasceu em Lisboa, em 1965, mas também viveu em Luanda (Angola), S. Paulo (Brasil) e Nova Iorque (EUA).
Foi em 1979 que iniciou a sua formação em dança, com Margarida de Abreu, e em 1981 ingressou no programa de formação do Ballet Gulbenkian. Em 1984 viajou para Nova Iorque, onde foi estudar técnicas de dança clássica e contemporânea, no Peridance Center e no Steps Studio. Estudou também desenho na New York Academy of Art e, de regresso a Lisboa, fez o Mestrado em Teatro, com especialização em Design de Cena, na Escola Superior de Teatro e Cinema. Desde 1989, Carlota Lagido faz design de figurinos e de cenografia para dança e para teatro, sendo nesse ano que conhece o coreógrafo e bailarino Francisco Camacho, tornando-se então na sua bailarina "fetiche". Também trabalhou com as coreógrafas Joana Providência e Meg Stuart e, de 2008 a 2011, dirigiu em Lisboa o Atelier de Pesquisa e Criação Coreográfica do Espaço Eira 33. Em 2012 retoma a colaboração interrompida com Francisco Camacho, participando, como intérprete, na peça "Andiamo". Enquanto autora, Carlota é uma artista multidisciplinar, sendo frequente introduzir nos seus espetáculos elementos plásticos e videográficos que tratam geralmente sobre questões de identidade. Em 2017 fundou em Coimbra a associação cultural e ambiental O Lugar do Meio. Para o disco "Dis Nasti Dog" juntaram-se Vítor Rua (guitarra de 8 cordas, o sampler E-Mu e o computador Mac G3), João Galante (voz e guitarra) e Carlota Lagido (voz), acompanhados nas vozes por Bárbara Lagido e David Miguel, mas para o espetáculo, que teve estreia a 26 de novembro de 1999 no Espaço Ginjal, em Almada, apresentam-se acompanhados pelos DJs Murka e David Martins, pelo baterista Luís San Payo, pela designer e diretora de arte Kitty Oliveira e pela fotogénica cadela Coka, que posou para a foto criativa da capa do CD.
O Instituto Português das Artes do Espectáculo do Ministério da Cultura e o Serviço de Belas-Artes da Fundação Calouste Gulbenkian, entre outras entidades, participaram no financiamento do projeto. |
Discografias e bibliografias
1981
1982
1983
1984
1985
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2009
2010
2011
2013
2014
2016
2017
2018
2019
2020
2022
2023
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Reportagem com entrevistas
A jornalista Lucinda Canelas reportou em 26 de novembro de 1999 a estreia ao vivo do projeto "Dis Nasti Dog". Dessa apresentação destacámos alguns parágrafos soltos:
Num velho armazém onde já tudo parece ter acontecido, minado de mesas e cadeirões desirmanados, instalaram-se bailarinos, DJs, músicos, artistas plásticos e uma cantora, tudo com o propósito de montar um espectáculo híbrido em que o movimento parte da música e de uma ideia: "Subverter o processo criativo a que nos habituámos – sempre preso a uma linha dramatúrgica que dá mais importância ao movimento do que a qualquer outra coisa – e contrariar a atitude passiva do público que assiste a espectáculos de dança sem se manifestar", explicou ao PÚBLICO Carlota Lagido.
No palco desfilam uma série de personagens, marcadas por este ou aquele figurino. Bárbara Lagido, a "voz" de serviço, no seu vestidinho vermelho de gola bordada; David Miguel, o autor de um "quadro" de consultório de província onde pode ler-se "Dis Nasti Dog", e a sua camisola verde água; João Galante e umas calças levemente étnicas... Todos como se procurassem criar o seu próprio espaço, como se pudessem existir independentemente do outro que ocupa o mesmo sofá, que toca a mesma guitarra, que brinca com o mesmo coelho de peluche. "O que une a peça são os momentos de quebra em que ninguém está entregue à sua personagem", defende Vítor Rua. O imediatismo que os coreógrafos procuraram com "Dis Nasti Dog" – nome escolhido por se assemelhar ao de uma banda rock – esteve desde sempre ligado ao processo de criação. Longe do prazo de seis meses que é habitualmente consagrado à preparação de um espectáculo convencional, Carlota Lagido e João Galante tiveram de lidar com a vertigem de concretizar uma ideia em pouco mais de quatro dias. "As ideias foram muito discutidas, porque era preciso explicá-las às pessoas que fomos convidando, mas a montagem foi de um momento para o outro, ainda está a ser", afirma o coreógrafo. Vítor Rua vai mais longe e fala da peça como "um estudo sobre a rapidez" em que o movimento foi desenhado para que o corpo fosse utilizado num contexto de concerto, sempre condicionado pelos estímulos que vai recebendo do público. Criticando frontalmente o poderio dos Estados Unidos, Carlota Lagido abandona um dos casulos-esconderijo que se encontram espalhados pelo palco, transformada em América, de estola de plumas e chapéu à cowboy, cantando: "I'm a very nasty queen/The queen of rock'n'roll/I'll fuck the universe/I'll kill all humans." Respondendo aos desafios que a música lhes ia lançando constantemente, colocando-os perante a urgência de cantar ou de tocar, Lagido e Galante foram "vencendo medos" e levam ao Ginjal uma criação colectiva que "só faz sentido se a analisarmos como um conjunto de performances", coreográficas ou musicais, que ousa "discutir que papel político pode desempenhar a arte, que tipo de terrorismo pode impor". Por não se encontrar disponível online, a versão integral deste texto da jornalista Lucinda Canelas (com uma fotografia de Pedro Valente) pode ser consultada numa digitalização que disponibilizamos aqui.
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