CARLOS "BECHEGAS"
Flauta, voz, eletrónica
Carlos Manuel dos Santos Henriques, mais tarde também conhecido (devido à sua alcunha) como Carlos "Bechegas", nasceu em 1957, em Lisboa, Portugal.
Em 1974 ingressou na Juventude Musical Portuguesa e, depois, concluiu o Curso de Flauta e Composição, na Escola de Música do Conservatório Nacional de Lisboa, onde estudou composição com Jorge Peixinho e Constança Capdeville. Também estudou Artes Visuais e Artes Gráficas na Escola de Artes Decorativas António Arroio e licenciou-se em Ensino de Educação Visual e Tecnológica pela Escola Superior de Educação de Lisboa. Através dos Encontros de Música Contemporânea da Fundação Calouste Gulbenkian, participou também em seminários com Iannis Xenakis e com Cândido Lima. Iniciou a sua atividade pública em 1977, como flautista e saxofonista, participando em projetos de jazz, fusão, swing, bebop e jazz contemporâneo. Desse tempo são os grupos Essência, a Orquestra Girassol - um grupo de doze músicos com José Eduardo, Tomás Pimentel, Laurent Filipe e outros, com quem editou em 1978 o single de 7" "Walkin' / Stolen Moments" -, o seu próprio Quarteto de Jazz, os Contrabanda, e o Projecto Rock. Em 1981 participou no álbum "Não Há Nada Pa Ninguém", do cantor Mário Mata. Entre 1982 e 1989 também participou em discos de Jorge Palma. Por essa altura, entre 1983 e 1987, integrou ainda o trio de Chorinhos do guitarrista Rui Luís Pereira (Dudas) e integrou o Plexus, grupo de música improvisada contemporânea fundado e liderado por Carlos "Zíngaro" e Celso de Carvalho, atuando também em duo, com o primeiro, em Moscovo. Colaborou ainda com o cantor Carlos Mendes, com a performer circense Teresa Ricou e com o baixista de jazz António Ferro, com quem gravaria um disco, integrando o seu quinteto KAF. Antes disso, por volta de 1988, dá início ao seu projeto Movement Sounds, dedicando-se a obras a solo para flauta e eletrónica, criadas em tempo real. Participou em diversos seminários sobre técnicas de improvisação no jazz, nomeadamente com José Eduardo, Mike Kaulpe, Steve Potts, Oliver Johnson, Steve Lacy, Evan Parker, John Tchicai, Derek Bailey, Maggie Nichols, Richard Teitelbaum, Peter Kowald e Carlos "Zíngaro". No campo da composição, frequentou os seminários da Fundação Calouste Gulbenkian sobre Composição Clássica Contemporânea, com Emmanuel Nunes, e de Técnicas de Interpretação para Flauta na Música Clássica Contemporânea, com Pierre-Yves Artaud, entre outros. Gravou discos a solo e com coletivos de música improvisada, como no Trio IK*Zs (3), com Ernesto Rodrigues e José Oliveira, lançado em 1997 na editora britânica Leo Records Laboratory. No ano seguinte teve o um álbum a solo, na audEo, antes de se lançar empenhadamente na criação da sua própria editora, a Forward.rec, onde publicou quase uma dezena de discos com músicos de referência na cena internacional da música improvisada. Também compôs obras para teatro e televisão, e participou com regularidade em concertos e festivais em Portugal no estrangeiro, nomeadamente no Porto, em Paris, Estrasburgo, Londres, Berlim, Antuérpia e Nova York, com Derek Bailey, Alexander von Schlippenbach, Han Bennink, Gunter “Baby” Sommer, Joëlle Léandre, Peter Kowald, Fred Van Hove, Barry Guy, William Parker e Phil Minton, entre outros. A convite da Direcção do Centro de Reabilitação e Paralisia Cerebral Calouste Gulbenkian, lecionou Expressão Musical e Expressão Dramática durante quatro anos, tendo frequentado o workshop Técnicas de Expressão na Interação com Deficientes, na Academia de Remchaid, na Alemanha. Participou em seminários e performances do grupo ColecViva, com Constança Capdeville, bem como num espetáculo produzido pela Gulbenkian, com o grupo britânico Welfare State International e, também, com o encenador, compositor, percussionista e performer alemão Frank Köllges. Carlos "Bechegas" Henriques foi professor de Educação Visual e Tecnológica em escolas públicas, ao longo de 46 anos de trabalho. Também aí, desenvolveu com os alunos e com os docentes, encontros para divulgação da composição musical com recurso às novas tecnologias, apresentando-se em recitais a solo. Dedicou-se ainda à fotografia artística e mostrou-a em exposições individuais, em 2001, em galerias de arte nas cidades de Abrantes e de Lisboa. Fotografia (detalhe)
Copyright © Pedro José Martins |
Discografia
1978
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Entrevista
Em 2004, o compositor, percussionista e poeta Miguel Azguime conduziu uma entrevista com Carlos "Bechegas" para o portal do Centro de Investigação e Informação da Música Portuguesa (MIC.PT) e das respostas do entrevistado retirámos algumas frases, que, com a autorização de ambos, reproduzimos a seguir: Achava que gostava de um dia percorrer o Conservatório para tornar-me um instrumentista competente, para poder transportar para a música improvisada e para o Jazz toda aquela riqueza que ali era exposta, de uma maneira às vezes muito fria e disciplinada. Acabo o conservatório, em 88, e aí decido deixar os saxofones e começar a encarar a flauta na perspectiva das técnicas extensivas e a procurar a minha linguagem e o meu discurso. Quando acabo o conservatório percebi que, para fazer qualquer coisa - eu tinha um desejo de inovar, acho que em arte só vale a pena inovar, correr riscos, interpelar, fazer reflectir - tinha que me dedicar a um instrumento só. Quando acabei o conservatório disse: “Agora vais procurar o teu caminho e vais tentar fazer da flauta um instrumento capaz de desenvolver uma linguagem, de ser protagonista ou de, pelo menos, ter um papel na música improvisada. Esse vai ser o teu desafio. Ou consegues ou não consegues.” Eu acho que o que a improvisação trás de novo - de novo, isto é, de diferente - é mais a atitude da composição no momento, da catarse emocional que existe, não só entre os músicos mas entre o público, e essa emoção advém também de um certo risco. Agora, acho que há sempre uma estruturação, mesmo para aquele que não improvisa estruturadamente, ou seja que a improvisação estruturada pressupõe a organização do tempo de determinados pedaços/ciclos da narrativa. Pode-se sugerir, em determinados momentos, fazer isto ou aquilo, mas quando um músico está em palco pela primeira vez com outros a improvisar, ele tem uma noção do tempo, tem uma noção do que é uma boa ou má improvisação e sabe, em determinado momento, que seria interessante deixar aquele tipo a solo e ostensivamente para de tocar. O solo atrai-me porque é a situação de maior exigência para um músico, do ponto de vista performativo, do ponto de vista físico, técnico, e do ponto de vista estético. Aguentares sozinho uma narrativa de uma hora significa que tens que ter património para fazer isso e então isso, no fundo, acaba por ser um desafio enriquecedor para ti. Portanto a solo, estás à vontade, estabeleces a narrativa, o percurso, enfim. Quando toco num conjunto, num Ensemble, sobretudo em determinados momentos, interessa-me focalizar, explicitar mais… - faz parte de mim a diversidade, atrai-me. Eu tenho uma panóplia de materiais e posso estar consciente, em função daquele grupo, daquelas características, do que posso fazer mais interessante. Fico mais atento à utilização de determinados materiais, de determinadas respostas, consoante o contexto onde vai ocorrer. O Jazz fica um bocado a meio caminho entre a música completamente escrita e a improvisação porque tem mais regras e tem aquela escola, aquela sistematização. Sendo a flauta um instrumento com um som mais delicado, com um timbre com menos harmónicos, uma das hipóteses que eu achei para resolver o problema seria a diversidade, e porque me atraia obviamente, me atraía aquilo que ouvia na música contemporânea. Há um aspecto que atravessa o meu trabalho como intérprete de flauta que é a diversidade. O Flute landscapes, tal como o nome procura relevar, são as paisagens da flauta na sua diversidade. Esse disco são também takes curtos - é a ideia de que não são tanto narrativas mas sobretudo caminhos possíveis, matrizes. O Flute landscapes, o segundo disco, significa a libertação da electrónica, que até aí, para mim, tinha sido sempre um suporte. A mim importa-me uma estética dentro da improvisação, uma determinada história. Acho que a improvisação está num impasse, porque hoje em dia já se teoriza, já se toca "à maneira de" e já está tudo muito perto do impasse. Estabeleço uma relação muito grande com a pintura. Para mim é muito importante essa relação, pois a pintura ajuda-me muito a ouvir os sons e os sons ajudam-me a ver a pintura e a interpretar. A entrevista completa foi apresentada aqui.
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